Durante visita aos campos de arroz vermelho do Vale do Apodi, diante de produtores potiguares e gaúchos participantes do Intercâmbio do Arroz RN/RS promovido pelo Governo do Rio Grande do Norte, foi firmado um compromisso que assegura a produção orgânica e a comercialização de 25 toneladas do nosso tradicional arroz da terra, ainda em 2022. “O incentivo governamental ao arroz vermelho passa por duas vertentes: incentivando a produção em base agroecológica e apoiando a comercialização”, declarou o secretário Alexandre Lima, titular da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Rural e da Agricultura Familiar (Sedraf), acompanhado na ocasião pelo adjunto Lucenilson Ângelo.
Através do programa Mais Ater, executado pela Sedraf, os agricultores e as agricultoras que optarem pela transição agroecológica receberão assistência técnica via Emater-RN (Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural), Coletivo Feminista 8 de Março (CF8) e Terra Viva. O intercâmbio assegura que o arroz vermelho do Apodi terá certificação orgânica pela Rede Xique-Xique, credenciada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), e será comercializado pela Terra Livre Agroecológica, que beneficia e comercializa alimentos orgânicos certificados, produzidos por assentamentos rurais em sua maioria organizados pelo Movimento dos Trabalhadores Sem terra (MST).
O termo de cooperação técnica, que viabilizará o intercâmbio para transição agroecológica do arroz vermelho no RN, e o termo de garantia de compra de toda a produção de arroz em transição agroecológica, serão formalizados neste mês de março. O encontro entre produtores potiguares e gaúchos está sendo viabilizado através de parceria firmada entre Sedraf, os setores de produção e comercialização do MST Nacional, o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Apodi (STTR) e a Rede Xique-xique.
Foram convidados a fazer a transição agroecológica os agricultores ligados à Associação dos Produtores de Arroz Vermelho (Apave). Atualmente, cerca de 200 famílias produzem arroz na região. A cooperativa gaúcha Bionatur Sementes também participa do intercâmbio, com doação de sementes para o plantio do arroz consorciado a outras culturas, como é característico da agricultura de base agroecológica.
Saúde
O agricultor Francisco Edilson Neto e seus filhos Edjarles e João Paulo aceitaram o desafio feito pelo Governo do Estado para produzirem arroz vermelho sem aditivos químicos, em base agroecológica, como era feito antigamente. Com alguns dos campos de arroz já em fase de transição, o brilho do olhar de “seu” Edilson, no alto dos seus 64 anos de idade, fez marejar os olhos das pessoas presentes ao ser indagado sobre a possibilidade de o arroz vermelho ser cultivado em modo exclusivamente agroecológico.
“É possível sim, porque a gente já fez isso na prática. Para nós, é uma felicidade muito grande poder resgatar isso. Não tenho dúvidas de que a saída para nós, camponeses, pequenos produtores, é a questão do orgânico. Tentamos muitas vezes, mas, na verdade, o gargalo vem depois, porque você produz com muito carinho e o preço nivela com o outro”, enfatizou o agricultor que tem dedicado mais da metade de sua vida ao cultivo do arroz vermelho.
Ao agradecer a realização do intercâmbio, ele afirmou que esta é a primeira vez que os produtores potiguares de arroz têm a oportunidade de dialogar com outros produtores, e vê isso como um incentivo a mais, “é muito bom conhecer os companheiros do Sul, até para animar, porque a gente sempre esteve muito só aqui”, concluiu. Sobre o dilema mercado e produção orgânica, o camponês reafirmou que a saúde de sua família e das pessoas que dão preferência ao arroz da terra, cuja tradição de cultivo na região tem origem indígena e surgiu há pelo menos três séculos, é muito mais importante do que o valor comercial do produto em si. Em tempo, o Vale do Apodi é considerado um dos solos mais férteis do mundo.
O presidente do STTR/Apodi, Agnaldo Fernandes, considerou muito produtivas as primeiras rodadas de conversa do intercâmbio, que terá um segundo momento no Rio Grande do Sul, quando alguns produtores potiguares irão conhecer a forma de produção nos campos gaúchos. “Para nós que fazemos o Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais do Apodi é motivo de grande satisfação receber um intercâmbio desses, porque estamos tendo a oportunidade de pensar em estratégias de melhoria de produção e formas de aumentar a comercialização do nosso arroz vermelho, gerando ainda mais trabalho e renda ao campesinato da região”, argumentou o sindicalista.
O agricultor gaúcho Nelson Krupinski, representando a Cooperativa de Trabalho de Prestação de Serviços para o Desenvolvimento Rural Sustentável (Cooptapi), afirmou que a agroecologia é uma bandeira de luta não só dos agricultores e das agricultoras familiares, mas também se configura uma luta comum a diversos setores da sociedade civil, que fazem questão de consumir comida de verdade. “A gente vê no brilho nos olhos desses agricultores que a produção de arroz orgânico é uma esperança possível. Eles buscam alternativas e a produção agroecológica é uma delas. Estou muito feliz com o intercâmbio e esperamos muito mais por vir”, declarou.
Venda
Representada por Carlos Pansera, a Cooperativa Terra Livre e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), através de seus coordenadores nacionais, Alexandre Conceição e Milton Fornazieri, garantiram o escoamento da produção do arroz orgânico que será produzido com incentivo governamental no Vale do Apodi. Inicialmente, os agricultores que farão a transição têm a expectativa de produzirem neste primeiro momento 25 toneladas.
“A agroecologia agrega mais valor ao produto final. Sendo que para chegarmos até esse nível, precisamos melhorar a indústria de beneficiamento, estruturar a linha de produção de bioinsumos e garantir o escoamento da produção”, disse Milton, conhecido no movimento como Rascunho. Presente à ocasião, a representante da Bionatur Sementes, Lara Rodrigues, doou sementes orgânicas para serem testadas nos campos apodienses.
Arroz potiguar
Matéria prima de um dos pratos mais tradicionais do Rio Grande do Norte, o arroz de leite, o arroz vermelho começou a ser valorizado fora das fronteiras do RN por meio do movimento Slow Food, que o classificou como uma de suas fortalezas do sabor, no ano de 2007. O tradicional arroz da terra, como é conhecido no RN e na Paraíba, um dos nossos maiores concorrentes, está sendo valorizado pelo governo estadual desde a implementação do Programa Estadual de Compras Governamentais da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Pecafes) e do Programa Estadual de Sementes Crioulas.
As duas iniciativas viabilizaram a aquisição de 225 toneladas de arroz vermelho, de 2019 a 2021, segundo informou o secretário Alexandre Lima durante a reunião realizada na sede do STTR/Apodi na manhã do dia 24/02, que antecedeu as visitas à sede da Apave e aos campos de arroz.
Ao contextualizar a produção no Vale do Apodi, o engenheiro agrônomo e professor da UERN informou que em 2016 existiam 3 mil hectares com plantio de arroz vermelho, sendo que com o declínio das compras públicas, em 2019 o estado tinha 863 hectares de plantações de arroz. Em articulação com a Secretaria de Estado de Educação e Cultura (Seec), a Sedraf realizou teste de aceitabilidade em escolas, tendo sido constatada a viabilidade de inserção do alimento na merenda escolar.
Mas, mesmo garantindo a aquisição da produção apodiense pelas compras governamentais, o secretário afirmou que não se pode considerar apenas essa modalidade de escoamento da produção como medida de valorização do arroz potiguar. “Precisamos estimular a inserção do arroz vermelho para a iniciativa privada, por isso a razão de trazer os companheiros do Rio Grande do Sul”, argumentou.
O coordenador nacional do MST, Alexandre Conceição considera que iniciativas como essas, que se baseiam no sentido de pertencimento de uma tradição, funcionarão para fortalecer ainda mais o trabalho dos homens e mulheres que atuam nos campos para produzir alimentos de verdade. “Temos de trabalhar para que esse arroz conquiste o coração e a mente dos brasileiros. É uma verdadeira riqueza”, destacou.
Durante o intercâmbio, foram elencadas as prioridades e as dificuldades da cadeia produtiva. Participaram das rodas de conversa a servidora Terezinha Maia e o servidor Carlos Georg (Sedraf), Fátima Torres (Cecafes e Coofarn), Antônio Eron da Costa (presidente da Apave), Neneide Lima (Unicafes e Rede Xique-xique), Gerson Justino MST/RN), Hilder Andrade e João Ivo (Emater-RN), Marcírio Lemos (Articulação do Semiárido Brasileiro–ASA) e Nilton Júnior (Comissão Pastoral da Terra).
Por Bruno Barreto
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